sexta-feira, 13 de junho de 2014

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Carlos, você já me disse que nunca precisou do divã do analista. Em que medida a poesia concorreu para isso?
Realmente, mesmo que eu sentisse necessidade do divã, seria impossível, porque não havia o divã no Brasil. Os divãs existiam, mas divãs comuns. Ninguém se lembraria de deitar neles e dizer coisas da sua infância, coisas tenebrosas, para um especialista.
A figura do analista veio muito depois da minha infância e da minha mocidade. E já agora, a essa altura da vida, acho que nenhum analista me receberia, nem haveria mais necessidade.
De fato, a poesia exerceu sobre mim um papel bastante salubre ou tonificante, procurando, sem que eu percebesse, clarear os aspectos sombrios da minha mente.
Tive uma infância bastante confusa e triste, e uma mocidade tumultuada. Sentia necessidade de expandir-me sem que soubesse como. A conversa com os amigos não bastava porque, talvez, eles não entendessem bem os meus problemas.
Eram questões que vinham, digamos, de gerações anteriores, de casamentos de tios com sobrinhas, de primos com primas, tudo isso se acumulando na mente, criando problemas de adaptação ao meio, de dúvida, de perplexidade etc.
Então comecei a fazer versos sem saber fazê-los, por um movimento automático. Foi uma tendência natural do espírito e senti que, pouco a pouco, ia aliviando a carga de problemas que eu tinha. Como se vomitasse. Nesse sentido, a poesia foi, para mim, um divã.

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