sábado, 10 de outubro de 2015

Cauda Pavonis

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O PROCESSO ALQUÍMICO E A PSICOTERAPIA JUNGUIANA
                                                                 Por: Paulo C. de Souza


A maioria dos escritores dividia a via úmida em quatro estágios e os associava a cores e suas vibrações. Como não podia deixar de ser, os nomes eram em latim: Nigredo (preto), Cauda Pavonis (cauda do pavão ou arco-íris), Albedo (branco) e Rubedo (vermelho). Esses quatro processos ou etapas, se observados de uma maneira global, lembram um pouco as quatro fases da psicoterapia que Jung descreveu: Confissão, Esclarecimento, Educação e Transformação.
Antes de tentarmos ver um por um os processos acima citados, temos de ter em mente que esse processo é cíclico, qual uma ‘espiral ascendente’ e praticamente nunca termina; tanto na alquimia como no processo de individuação de Jung. Ou seja, quando terminamos uma Rubedo voltamos à Nigredo; quando terminamos uma Transformação, voltamos a uma Confissão. É claro que esse retorno nunca é a um ponto inicial do processo e, sim, um pouco mais para dentro e um pouco mais para cima. Funciona como uma longa estrada para alcançar o topo de um morro. A estrada vai contornando o morro de maneira suave e imperceptível, e de repente percebemos que já ultrapassamos as primeiras nuvens. Além disso, nada nos impede, estando numa Albedo, de retornar para a Nigredo; assim com, da Educação, retornar ao Esclarecimento. O importante é sabermos que por mais lento que seja o caminho ele é sempre para diante!
A Nigredo, o negro, já nos sugere a morte, a sombra, o pesado, o denso, o sofrimento. Foi isso que nos disse Jung quando falou da confissão no consultório do psicólogo. Contamos nossa vida, nossos segredos, nossos aborrecimentos, nossos sonhos não alcançados e, na maioria das vezes choramos como um bebê que está com fome e quer mamar ou lhe tiraram o brinquedo predileto. Ou seja, morremos para uma vida que não valia a pena ou que simplesmente passou (valia a pena talvez naquela época, agora já não vale mais). Nessa ocasião ficamos parados, inativos, deprimidos, sem ânimo, introvertidos, quietos e sentimos que algo se ‘dissolve’ em nós. Por mais angustiante que seja o processo, o importante é seguir o que ele recomenda: ficar quieto e adiar tudo o que for possível. Quando estamos jogando nossos ‘conflitos psicológicos’ nos problemas exteriores, ou seja, no mundo em que vivemos; eles se sobrepõem e se confundem, numa mistura homogênea. Podemos usar a metáfora do ‘copo com água e álcool’; você olha para aquela substância branca e não sabe quem é quem. Daí, as decisões nessa fase da vida possuírem uma chance muito grande de dar errado. Devemos identificar os problemas que são nossos e separá-los dos problemas do mundo. Continuando na metáfora do ‘copo’; é preciso colorir a água para poder separá-la com mais facilidade do álcool.
Depois disso é como se o preto ¾ que é a ausência de todas as cores ¾ transformasse no branco ¾ que é a presença de todas as cores. Só que é o branco decomposto em todas as cores por uma espécie de ‘cristal‘ e essa pedra cristalina é muitas vezes o nosso analista, outras vezes um padre, um sacerdote, um velho amigo ou até o travesseiro. É por isso que alguns alquimistas pulam a fase da ‘cauda pavonis’ e vão da Nigredo para a Albedo. Mas como Jung colocou muito bem, após a confissão de seus temores mais profundos, o paciente fica esvaziado e se fixa na figura do psicólogo; esse fenômeno levou o nome complicado de ‘Transferência’ (até a psicologia imita a alquimia em matéria de nomes complicados). Como o nome já sugere, transferimos para a figura do analista as figuras interiores que antes estávamos jogando no pai, na mãe, no irmão, no vizinho, na namorada, no marido etc. Essa transferência precisa ser ‘esclarecida’ e discutida com o paciente para que ele entenda o que está acontecendo em sua alma ainda conturbada, embora já bastante aliviada com o auxílio da confissão. Muitos alquimistas representaram o desmembramento do branco com o desmembramento do corpo humano. Acontece na realidade o desmembramento de nossa psique; mas temos que manter essa dissociação da nossa psique sob o controle do Ego. É para isto que ele possui as características e a função de um ‘complexo gerenciador’. Um gerente de uma grande fábrica não olha diretamente o que cada operário faz, não consegue saber o nome de todos os seus 5.000 funcionários; mas, com uma rápida análise dos seus gráficos de produção ele sabe de tudo que acontece no seu negócio e pode se concentrar no que julga importante no momento.
Após esta etapa, naturalmente vem o branco, a Albedo, a brancura, o clareamento, o entendimento, o conhecimento, uma certa tranqüilidade. É como se todas as cores do arco-íris se fundissem e nos mostrassem a beleza do branco, da paz, do espiritual. Deve ser por isso que se diz que no fim do arco-íris está um pote de ouro. O problema é que nunca encontramos o fim do arco-íris, mas na maioria das vezes o caminhar é o verdadeiro tesouro. Nesse estado de brancura nos educamos e nos inteiramos que existe uma vida nova que pode ser seguida e quando olhamos para trás, o esforço já não parece tão grande. Lembremos que educação é repetição, porque para assimilar alguma coisa precisamos repetir, precisamos tirar todos os véus dos preconceitos, precisamos entender que os problemas estão dentro de nós, precisamos ver que o outro está ali também na sua busca. Precisamos até entender que muitos buscam o mesmo Deus que nós buscamos, só que por caminhos diferentes, mas geralmente, também chegam lá. Corremos um risco de achar que o nosso gerente, o Ego, é o maior gerente do mundo, pois está tocando uma fábrica de grande porte. Cuidado com a estagnação, o equilíbrio é sempre dinâmico e só o conflito nos faz crescer e quando não crescemos, caímos. É mais ou menos como andar de bicicleta, quanto mais rápido mais equilíbrio, o movimento nos mantém em linha reta. Vocês poderiam dizer que algumas pessoas ficam em pé em um bicicleta parada. Mas o lugar deles é no circo e perdem o objetivo da locomoção, que é o objetivo da vida.
Quando estamos nesse processo de uma certa calmaria, as coisas vão entrando nos eixos. Mas é hora, por incrível que pareça, de colocar paixão, fogo, ardor, vermelho, Rubedo. Aí conseguimos transformação ¾ transformar é ser o que já era, sem precisar fazer força para isso. É quando não roubamos o vizinho; não com medo da prisão, mas porque acreditamos que isso não é o correto. É quando não batemos no inimigo; não com medo do revide, mas quando temos compaixão por outro ser humano. Na transformação conseguimos um movimento com um mínimo de atrito. É quando nos aproximamos dos pólos; lá o movimento como um todo é o mesmo, mas, o deslocamento menor. Temos mais consciência de fazermos parte de um mundo, percebemos que somos dependentes de tudo e ao mesmo tempo tudo é impermanente. Só nos resta a essência da alma, algo dentro de nós que não morre nunca. Estes processos nos levam a essência da vida por um caminho relativamente suave. Não deixem de buscá-la, senão a dor pode vir para nos lembrar de tudo isso. Quem já sentiu uma dor muito forte sabe que naquela hora não conseguimos pensar em mais nada, só em acabar com ela. Tentem lembrar de tudo que pensaram na hora da dor, tanto física quanto espiritual e estarão perto do que é a essência.
Podemos imaginar então que o processo está todo concluído... Vamos descansar. Ledo engano, a transformação ocorreu sim, mas em parte do nosso ser. Temos de voltar a Nigredo e a Confissão, temos de passar pelas cores até o branco e, de novo inflados com o esplendor da luz, vamos mais uma vez nos inflamar para chegar às brasas, ao rubro, a Rubedo. Esta é a roda da vida e não pára nunca, nela vamos girar sem parar por muito tempo. Mas posso garantir: quem fizer um primeiro ciclo vai aceitar todo os outros com galhardia, força e abnegação e principalmente com pequenos momentos de felicidade.

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