quinta-feira, 30 de julho de 2015

Nise e os gatos


Falando em gatos, você sempre esteve rodeada por eles. Como é a sua relação com os gatos?

Nise - Eu gosto muito de todos os animais. Admiro muito o cão. Me sinto humilhada diante do cão. Respeito o cão, porque o cão tem uma qualidade que eu acho belicismo e da qual eu me sinto distante, que é a infinita capacidade de perdoar. Dê um passo que se dê ele é fiel. Nunca se ouviu contar que um cão fizesse um "treta" com seu dono, ou que fosse infiel, que traísse sobre qualquer forma o seu dono. Eu tinha cães em Maceió, porque morava numa casa grande. Com relação aos gatos, de tanto vê-los na rua desamparados, eu ia apanhando e trazendo prá casa. Chequei a ter 23 gatos. O gato não tem essa capacidade de perdoar, como eu não tenho. Eles são muito especiais. No Hospital, introduzi os animais como ajuda para os doentes. Como co-terapêutas. Um analista americano, de quem eu tenho um livro costumava trabalhar com um cão no consultório. Como aliás Freud trabalhava com um cão no consultório; Jung trabalhava com um cão no consultório. Marie Lenize Von Franz, com quem eu fiz análise, trabalhava com um cão no consultório. Aqui o cão não entra nos lugares.

Nise e Jung

Nise foi a divulgadora da Psicologia Analítica no Brasil, tendo começado a se corresponder com Jung em 1954, a partir de seu interesse pelas mandalas, que eram frequentemente produzidas pelos seus pacientes.
A partir desta relação, escreveu o livro “Jung – Vida e Obra”, publicado em 1968.

Assim, a luta de Nise foi pela realização do encontro humano entre médico e paciente, onde o paciente seja retirado do lugar de passividade, para um lugar de agente de sua própria cura, sendo sua subjetividade legitimada durante este processo.
E com sua história, Nise nos deixa este presente, esta descoberta da arte como um caminho de cura, de aprofundamento, um caminho que amplia as possibilidades de relacionamento do ser com o mundo externo e consigo mesmo. Com a arte, é possível dar liberdade àquilo que temos de mais precioso, o nosso mundo interno, nossas emoções e sentimentos.



“(...)sem a relação de médico para com o cliente não há cura alguma. O psiquiatra não costuma olhar para o seu cliente nos olhos, a cura exige olho no olho, a vontade de curar e a relação afetiva compartilhada.”(NISE DA SILVEIRA)

MÃE NEVADA- Irmãos Grimm


Viveu outrora, muito longe daqui, uma viúva que tinha duas filhas . Uma
delas, sua filha legítima, era uma grande preguiçosa. A outra, ao contrário, era muito
trabalhadeira. Enquanto a primeira era mimada pela mãe, a enteada era a gata
burralheira da casa. Era ela quem fazia tudo. Como se não bastasse, ia todos os
dias sentar-se com seu fuso na beira de um poço da estrada, onde ficava horas
fiando. Seus dedos até sangravam.

Numa dessas vezes, quis lavar o fuso manchado de sangue nas águas do
poço, e aconteceu que ele escapou de suas mãos e desapareceu na água. Ela
voltou chorando para casa e contou à madrasta o que havia acontecido. A madrasta
ficou furiosa, passou-lhe uma descompostura e a tal ponto foi desumana, que lhe
disse aos gritos:

 Ah!... Então deixou o fuso cair no poço? Pois vá buscá-lo, sua
desastrada!
A pobre moça voltou para o poço sem saber o que fazer. Tão
desesperada estava que, numa tentativa para recuperar o fuso, atirou-se na água e
perdeu os sentidos.

Quando voltou a si, estava deitada na relva numa linda campina
pontilhada de flores vicejando ao sol. Levantou-se e, caminhando por ali, encontrou
um forno cheio de pães. Quando se aproximou, os pães gritaram:

 Tire-nos daqui! Tire-nos daqui! Já estamos assados e não queremos
nos queimar!
Pegando uma pá de padeiro que havia ali, a moça tirou, um por um, todos
os pães do forno. Depois, continuando a andar, passou por uma macieira
carregadinha de maçãs.

 Sacuda-me! Sacuda-me!  pediu a árvore.  Meus frutos estão
maduros e pesam demais!


A moça sacudiu-a com força e as maçãs choveram. Quando não ficou
uma só no pé, amontoou-as no chão e se afastou. Finalmente chegou a uma
casinha e viu uma velha espiando-a. Era muito feia e tinha uns dentes enormes. A
moça fugiu assustada, mas a velha chamou-a:

 Menina, volte aqui! Por que está assim tão assustada? Fique comigo!
Se me ajudar na arrumação da casa, e fizer tudo direitinho, vamos nos dar muito
bem. Só tem que se preocupar é com minha cama. Quero que sacuda bem o
colchão até as penas voarem. Quando elas voam, neva na Terra. Eu sou a Mãe
Nevada.
Sua voz era amistosa. A moça acalmou-se e concordou em ficar a seu
serviço. Naquele mesmo dia começou a trabalhar, e tudo o que fazia era com o
maior capricho e boa vontade. Todas as manhãs sacudia de tal modo o colchão
da velha, que as penas voavam para todos os lados, como flocos de neve. A Mãe
Nevada jamais a maltratava ou repreendia, e nunca lhe faltou comida quentinha e
saborosa.

Assim, viveu feliz por algum tempo, até que um dia começou a sentir
saudades. A princípio, não sabia do que, mas logo descobriu que eram saudades de
sua casa. E, embora vivesse muito melhor ali do que na casa da madrasta, desejou
voltar. Uma tarde disse à velha:

 Senhora Mãe Nevada, estou com saudades de casa. Apesar de estar
tão bem aqui, e lá só encontrar sofrimento, mesmo assim, desejo voltar.
 Me agrada saber que sente saudades dos seus  disse a velha.  E
como me serviu tão bem e com tanta dedicação, eu mesma a levarei para cima.
E, pegando a mão da moça, conduziu-a até uma porta enorme, que se
abriu de repente.
Qual não foi a surpresa da mocinha quando, ao pisar a soleira, uma
chuva de ouro caiu sobre ela, cobrindo-a toda de ouro!

 É um presente meu. Você o merece por ser tão trabalhadeira e
atenciosa  assim dizendo, a Mãe Nevada entregou-lhe o fuso que caíra no poço e
fechou a porta.
A moça percebeu, então, que estava no seu mundo, não muito longe de
casa. Dirigiu-se para lá e, mal entrou no pátio, um galo empoleirado no poço cantou:

Quiquiriqui!
Olhem quem chegou!

Nossa mocinha de ouro
Que vale mais que um tesouro!

A madrasta e a filha apareceram na porta. A moça foi ao encontro delas
e, como estava coberta de ouro, foi muito bem recebida. Contou-lhe sua aventura no
fundo do poço e, quando a madrasta soube como ela conseguira todo aquele ouro,
quis que a filha tentasse a sorte de igual maneira.

Assim, levando o fuso, ela foi obrigada a fiar sentada no poço.
Evidentemente, não iria ficar hora fiando.

Para andar mais depressa, ela picou o dedo com um espinho, jogou o
fuso manchado de sangue no poço, e se atirou atrás dele.

Então, assim como aconteceu com a irmã, encontrou-se na colina e foi
caminhando pela mesma trilha percorrida pela outra. Quando se aproximou do forno,
os pães gritaram:

 Tire-nos daqui! Tire-nos daqui! Já estamos assados e não queremos
nos queimar!
 Imagine se eu vou me sujar de farinha!  respondeu a moça sem se
deter. Mais adiante, encontrou a macieira, que lhe pediu:
 Sacuda-me! Sacuda-me! Meus frutos estão maduros e pesam demais!
 Acha que vou querer que eles caiam na minha cabeça?  respondeu a
moça continuando a andar.
Enfim, chegou à casa da Mãe Nevada. Sem se assustar com a aparência
da velha, pois já fora avisada da sua feiúra e dos seus dentes enormes, aceitou
prontamente a proposta que lhe fez.

No primeiro dia, trabalhou direitinho e se esforçou bastante, pensando no
ouro que iria ganhar. No segundo dia, já deixou transparecer a sua preguiça,
fazendo tudo mal feito. No terceiro dia, acordou tarde, não arrumou a cama da velha
do jeito que ela queria, e poucas penas voaram.

A Mãe Nevada acabou se aborrecendo e despidiu-a. E, assim como fez
com a irmã, levou-a até a enorme porta e abriu-a. A moça parou na soleira,
esperando a chuva de ouro, mas em vez disso, um caldeirão de piche virou sobre
ela. Foi assim, lambuzada de piche, que ela voltou para casa. Ao vê-la chegar, o
galo empoleirado no poço cantou:


Quiquiriqui!
Olhem quem chegou!


Nossa garota imunda
Mas suja do que nunca!


O piche custou tanto para sair de sua pele, que durante muitos meses ela
não pode sair de casa.